Infelizmente temos observado inúmeras iatrogenias (em ritmo crescente) decorrentes de tratamentos ortodônticos mal planejados ou mal conduzidos e notamos também que muitos profissionais se isolam executando técnicas por anos sem ao menos perceber que outras opções melhores podem surgir no mercado. Pra ilustrar como pensam esses profissionais, compartilho nessa semana irônico post do meu amigo Dr. Renato Parsekian Martins, que escreve o Smartodontics.
Como não fazer uma ortodontia baseada em evidências
1 – Não leia nenhum artigo científico, isso é coisa para quem fez mestrado. Se for impossível escapar da leitura, fuja do tal de pubmed. Dê preferência a livros baratinhos ou a artigos com várias fotos (quanto mais melhor). Eles não precisam ser clínicos e nem ter um grupo controle, descarte os que contiverem a palavra “aleatório”. Caso seja impossível fugir do pubmed, continue se mantendo forte, dê a desculpa que você não tem acesso a eles porque não fala inglês;
2 – Se alguém te convencer a ler artigos indexados (esses do tal de pubmed), leia somente as conclusões dos resumos e lembre-se que quanto mais famoso for o autor mais chance você tem de as informações estarem corretas;
3 – Se algum artigo científico clínico randomizado discordar de alguma coisa que você faça ou pensa, não dê bola. Sua vivência clínica é sempre soberana (mesmo que você tenha poucos casos). Procure sempre falhas nesses artigos, lembrando-se sempre que o ataque é a melhor defesa. Ao não encontrar falhas, utilize as seguintes frases sempre que puder: “Esse artigo é antigo”, “Mas isso é só uma média” ou ”A amostra é pequena”. Essa última sempre dá certo;
4 – Se algum artigo científico clínico randomizado concordar com o que você pensa ou costuma fazer, esqueça da regra 3. Faça várias cópias e distribua para amigos e pacientes;
5 – Entre um paciente e outro, no consultório, ou nos momentos de estudo, leia ti-ti-ti ou assista ao big brother. Ler artigos científicos é para quem ainda é novo e precisa estudar. Aliás, custa meio caro assinar essas revistas, gaste seu dinheiro de outra maneira mais prazerosa;
6 – Procure informações sobre novos bráquetes e fios nas brochuras dos próprios fabricantes, a informação é mais simples de ler e vem em uma linguagem “que a gente entende”. Caso precise de informações mais aprofundadas, mande um e-mail para a NASA;
7 – Faça amizade com os vendedores e siga seus conselhos regularmente, eles com certeza estudaram ortodontia mais que você. Essa amizade pode render frutos fazendo com que você diminua o gasto com materiais supérfluos. Alias, sempre se lembre que o vendedor não ganha dinheiro vendendo material. Devido a essa amizade, você pode ganhar materiais que vão mudar “paradigmas”, e portanto, não pense duas vezes antes de testá-los sem maiores informações. Tenha em mente que o consultório não serve para ganhar dinheiro mesmo;
8 – Se não houver respaldo científico para algum material novo ou procedimento que você tenha visto no facebook, esqueça que você é dentista. Na ortodontia, as matérias básicas não se aplicam. Se eu, com meu conhecimento das áreas biológicas, acredito que um shampoo vai fazer com que minha careca melhore, o que tem de mais eu acreditar num aparelho milagroso?;
9 – Não vá em congressos patrocinados pelas associações reconhecidamente sérias, como ABOR ou AAO, esses são os mais perigosos. Caso você passe por um momento de fraqueza, vá e tire uma foto na entrada, adicione-a no site do consultório e vá passear na parte comercial ou mesmo fora do congresso (só tonto paga essas adesões);
10 – Não seja crítico com seus casos do consultório, aliás, você nunca terminou um caso mal. Os que ocorreram, na grande maioria, foram culpa do paciente;
11 – Não peça documentação final e não analise seu resultados. É óbvio que aquele protrator mandibular que você instalou em um paciente adulto e hiperdivergente fez a mandíbula “remodelar” para anterior. Confirmar o que ocorreu é só para quem duvida das verdades;
12 – Se algum aparelho não funcionou da maneira esperada (o que é sempre exceção), não foi rápido, não fez o queixo crescer ou não resolveu o problema. Nunca, mas nunca mesmo considere a ideia de que você está simplesmente errado. Existem inúmeras outras pessoas para culpar;
13 – Não utilize os vários exames existentes para fazer um diagnóstico de qualidade, isso é coisa de DDS (dentista do dedo seco). Sigas as regras básicas: Nunca extraia (isso é coisa do passado), nem em Classe I e nem em Classes II, somente alinhe, nivele e use elásticos. Nunca recole um bráquete (propositalmente, é claro). Nos casos Classe III, tente sempre dar aquela “melhoradinha”. Não faça desgaste interproximal. Nunca utilize um AEB (também é coisa do passado). Por fim, não se aflija com essas informações, nós no Brasil somos menos invasivos e fazemos a melhor ortodontia do mundo;
14 – Ao se deparar com incógnitas, não pesquise a literatura, pergunte para alguém no Facebook (mas muito cuidado, sempre nos grupos fechados). Lá você sempre sabe com quem está conversando e terá a resposta de autoridades no assunto;
15 – Lembre-se de que a fé em uma opinião ou em uma experiência pessoal traz mais informações do que a ciência, assim você pode obter resultados mais confiáveis e reproduzíveis.